quinta-feira, 26 de julho de 2012

A LINGUAGEM DA ROÇA


Uma das principais curiosidades de nossa língua é o fato de o matuto, o caipira de raiz, não falar palavras proparoxítonas. Nem sob ameaça. Só me dei conta disso na faculdade. E me lembrei dos constantes e perdoáveis deslizes de amigas e familiares, então pouco ou nada escolarizados, quando eu ainda era criança. A conversa era mais ou menos assim:

- Cês qué laranja com aço ou sem aço?

- Amanhã nóis vai nadá no corgo.

Tem base? Tem. A sonoridade das proparoxítonas é bastante sofisticada para ouvidos camponeses. Apetecem-lhes mais os ruídos de carro de boi, grilos, cigarras e córregos.

Têm bom gosto. A história registra que o latim clássico, lá nas lonjuras do tempo, continha um número enorme de vocábulos proparoxítonos. A plebe da época, porém, não os pronunciava; ou falava trocando a sílaba tônica; ou “comendo” uma sílaba; ou adaptando a palavra ao gosto do freguês. O que ocorre até hoje.

Nessa toada, Cícero vira Ciço, fósforo vira fosso. O certo é que na roça, convivendo somente entre nativos, não se ouvem proparoxítonas. Atesto e dou fé.

Igualmente não se escutam outras sofisticações da língua, como verbos conjugados no subjuntivo e preposições bem empregadas: “Espero que você vá à cidade com o Hermógenes”. Alguém já captou isso de um fazendeirão mais tosco? Sem chance.

O importante, no entanto, é se comunicar. A gente aprende e se diverte com o pessoal não muito achegado à gramática. Gente que tem muito mais histórias pra contar do que nós da selva de pedra. O médico – ou melhor, o dotô – João Guimarães Rosa conhecia bem essa turma boa. Grande parte de sua genialidade residiu em captar seus falares e jeitos e até em inventar um tantão de neologismos.

Por falar em “se diverte”, atribui-se a meu saudoso pai um episódio pitoresco: escalado para levar um cavalo de uma fazenda a outra – e voltar bem rápido – Lalinho, como era conhecido, é saudado na chegada:

- Oi, sô! Tudo bão?

- Bão, mais com muita pressa...

- Num tem pricisão de pressa, sô. Vâmu apiá.

- Não, sô. Só vim intregá o cavalo...

Até hoje não se sabe como devolveu o animal sem apear. Coisas da roça.

Para quem não conhece, leiam João Guimarães Rosa. E os mais simplórios, com toda certeza conseguirão se encontrar em toda a história... Deliciosa brincadeira com a língua!!!


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